Entrevista SANDRO TREME-TREME
“Minha religião é ficar vivo!”
Algo comum nas ruas do Recife são os meninos de rua. Eles estão por todos os lados, vestindo suas roupas surradas e desfilando o descaso da sociedade em que vivemos. Sujos, maltrapilhos, muitos deles, agarrados a uma garrafa de cola de sapateiro. Uma realidade dura da qual fazemos parte. Eles estão nos sinais, embaixo das marquises, nas calçadas, pendurados nos ônibus, nas paradas. E foi nesta cruel realidade que essa entrevista foi redigida, no meio-fio da Avenida Estrada de Belém, o rapaz Sandro Treme-treme falou sobre a sua vida e as dificuldades de quem não tem um porto para ancorar seu navio.
Mariana Frazão – Sandro, como você veio morar nas ruas?
Sandro – Eu nunca tive uma relação muito boa em casa, meu padrasto era autoritário e costumava violentar a mim e aos meus irmãos. Minha mãe fingia que não via, acho que ela tinha medo de perdê-lo. Era ele que sustentava a casa e sozinha ela não teria condições. Eu e meus irmãos éramos muito novos e não teríamos como pagar as contas. Depois de muita humilhação, eu não aguentei mais e resolvi fugir de casa. Minha mãe e meus irmãos esbarraram algumas vezes comigo, nunca fizeram questão nenhuma de me ver lá novamente, de alguma forma minha existência foi excluída daquela casa.
Mariana Frazão – Você chegou a frequentar algum colégio?
Sandro – Sim. Eu sei ler e escrever, mas a maioria das coisas que eu aprendi foram nesses becos, com gente suja como eu.
Mariana Frazão – O que lhe faz pensar que você é uma pessoa suja?
Sandro – Eu sinto isso no olhar das pessoas. Tem neguinho que vê a gente assim e já pensa que é assaltante. Tratam a gente com chute. Aqui a “língua” não é voz, é grosseria!
Mariana Frazão – Qual a explicação do apelido: Sandro Treme-Treme?
Sandro – Sandro é o meu nome mesmo. O treme-treme veio depois de muita “cheirada”, eu comecei a ter uns tremeliques. Não consigo tomar conta do meu corpo, tudo estremece! Daí os “moleque” começaram a me chamar de treme-treme e ficou: Sandro Treme-Treme.
Mariana Frazão – Como foi esse teu envolvimento com as drogas?
Sandro – Moleque que tá na rua tem que seguir o ritmo. Não dá pra dizer que você tá aqui porque algo na tua vida deu errado, você escolheu isso, mas vai viver santo sem se drogar ou roubar. Tem “nêgo” que começa assim, mas com o tempo a gente aprende as regras da sobrevivência. No começo a cola é um “engana-fome”, depois é vício e por fim é necessidade. O resto é influência, curiosidade, é uma forma de provar que você é grande.
Mariana Frazão – Você tem algum ponto fixo que possa chamar de casa?
Sandro – Eu vou pra onde eu quero, na hora que eu quero, mas se eu tivesse que chamar um lugar de “casa” seria uma praça ali perto do Arruda, a maioria dos moleques dormem por ali. O ruim é que lá é ponto de prostituição e vez por outra rola treta com os clientes.
Mariana Frazão – Como você se locomove de um canto para o outro da cidade?
Sandro – Bigu. Quando não dá vou a pé mesmo. Tem motorista que arranca com o ônibus só de “fuleiragem”. Já tive amigo que se deu mal numa dessas, o miserável passou por cima do pé dele e arrancou com o ônibus sem nem prestar socorro. Quando o lugar é perto é melhor nem arriscar, é numa dessas que se vira frango assado.
Mariana Frazão – Você se arrepende de algo?
Sandro – Não. Tudo que eu faço é pra sobreviver. Deus que deveria se arrepender por não olhar pra todo mundo.
Mariana Frazão – Você tem alguma religião?
Sandro – Deixei de colocar fé em Deus quando ele deixou de colocar fé em mim.Minha religião é ficar vivo!
Mariana Frazão - Você tem noção de tempo?
Sandro – Amanheceu é hora de catar algo pra comer. Fim de ano é quando soltam os fogos e eu sei que é a meia-noite de mais um ano sem perspectivas. O resto eu só sei se perguntar pra alguém. Calendário de pobre não tem valor!